Dez minutos

Manhã de domingo no meu bairro da Margem Sul, onde as pessoas são pobrezinhas e desempregadas, e num Bairro Bem de Lisboa, onde também devem ser, enfim, mas disfarçando melhor: observação direta.

1. No meu bairro os aviões passam muito mais alto, de maneira que não se sente um tsunami prestes a atingir a costa de 5 em 5 minutos.

2. No Bairro Bem a construção dos edíficios é de melhor qualidade, e existiu ali um evidente planeamento urbanístico. Não há urbanizações em forma de surto de cogumelos, cada um de espécie diferente.

3. No meu bairro não há tanto cocó de cão nos passeios. No Bairro Bem, sim, porque os senhores de idade deixam os animais ir sozinhos à rua e, já se sabe, não limpa o cão, porque não sabe, e não limpa o dono, porque a coluna não permite.

4. Na esplanada do Bairro Bem todos pedem para se sentarem na mesa do outro, só um bocadinho, a beber o café, o que para mim é confiança a mais, mas quando se vai a responder que sim, com certeza, por boa educação, já o outro se sentou. No meu bairro ninguém se senta na mesa da professora, ponto final. A professora está a ler. A professora não se incomoda. No meu bairro ainda há estatuto.

5. Na esplanada do Bairro Bem discutem-se:

a) marcas de antidepressivos e estabilizadores e outro tipo de calmantes. O antidepressivo toma-se à noite. Não, de manhã. Nem, pensar, sempre à noite. Então e o estabilizador, é de que laboratório? No meu bairro ninguém toma antidepressivos, e mesmo que tomasse não o revelaria. No meu bairro fala-se sempre do Benfica, e se alguém é do Sporting tem uma má manhã.

b) o casamento estudado e bem sucedido da mana com um fulano riquíssimo da linha de Cascais, que vai a lojas Dior e compra o que lhe apetece, e chega de visita ao Bairro Bem em carro com motorista. No meu bairro, as miúdas costumam engravidar de um preto que mora na rua da minha mãe, mas não sei explicar porquê.

c) marcas de tabaco e respetiva qualidade. Numa mesa, há quem enrole cigarros numa maquineta, uns atrás dos outros, porque sai mais barato e de qualidade e, sobretudo, porque SG nem pensar, e Gitanes é só carbono. No meu bairro fuma-se o tabaco mais barato da máquina e ninguém enrola tabaco nas mesas para evitar parecer amaricado.

6. Na esplanada do Bairro Bem os homens dão-se luxo de falar mexendo as mãos e traçando a perna. No meu bairro podem fazer tudo isso em casa, mas no café são machos, muito machos, cada um deles mais do que o outro, e ninguém duvida.

Nos dois bairros, o sol e a frescura da manhã são as mesmas.

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