A minha América II - Ajudar

Foi naquela esquina, naquele Andy's Deli II, naquela paragem de autocarro.




As cidades têm os seus segredos. Não basta seguir as indicações do phone card. Falta sempre um código qualquer que só um indígena nos poderá fornecer. Não basta apanhar o autocarro, é preciso saber como pagar a viagem. E é aqui que esta história começa.
Temos a paragem do autocarro, a mercearia em frente, que pertence sempre a asiáticos sem pele branca, e uma jovem mãe, loura, alta, magra, bem parecida, com o filho dos seus 8 anos ao lado. Parece-me a pessoa ideal para me ajudar a perceber como funcionam os transportes públicos. Atiro-me. Excuse me. Can you help me, please? A jovem mãe responde-me sorry, com um olhar vagamente culpado, tentando abrir rapidamente a porta da mercearia e ver-se livre de mim. E o olhar do filho. Sobretudo o olhar do filho. Fico a contemplá-los, parada, incrédula. Ninguém recusa um pedido de ajuda. Ela é uma senhora. Vê-se. Há uma fração de segundo em que não compreendo. Não quer ajudar-me? Não quer ajudar-me, porquê? E de repente, luz! Abordei-a usando uma linguagem que, aqui, está errada. E sinto o meu orgulho ferido. Por quem me toma? Abro a porta da mercearia, sigo-a e abordo-a de novo, com indignação, excuse me, again, but I was just asking you some information about the bus service! Ela olha para mim. Finalmente olha para mim, pede-me desculpa, e responde às minhas dúvidas. Fico a saber que posso comprar um cartão para uma série de viagens, na estação do metro, ou pagar com moedas. Pergunto-lhe, e se não tiver moedas? Não, só com moedas. Muito bem, entendemo-nos, agradeço e saio, pensando que isto nunca na vida me tinha acontecido. Primeiro pensamento, estou vestida como uma pedinte? O que é que vesti hoje? É assim tão mau? Estou assim tão acabada? Tenho um aspeto miserável? Cansada, olheiras, sim. Segundo pensamento, se perdesse o orgulho ainda ganharia uns dólares à porta desta mercearia, e com o mesmo tipo de abordagem. Terceiro pensamento, vamos lá arranjar uma frase que não seja equívoca para os nova iorquinos. E que tal, excuse me, may I ask you if… ou can you give me information about… Qualquer enunciado que não inclua help. Nestes dias, ninguém ajuda ninguém. Aposto que a jovem mãe olhou para mim e pensou, tens um belo corpo para ir trabalhar.

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