Velha ridícula
É uma velha ridícula, magra, baixa, vestida com roupas largas, antiquadas, que vai falando com os cães e gatos que encontra pelo caminho.
- Olá, menino, o que fazes tu por aqui sozinho? Gosto tanto de ti. Cheira-me a mão para veres que sou tua amiga. Ah, é da senhora! Ai, minha senhora, a noite passada tive de telefonar para o médico, que o meu coração não parava. Um cão abandonado na minha rua, chorava, toda a noite chorou, cheio de sarna, sofria, gemia. Como puderam abandonar aquele cãozinho?! Qualquer clínica o abatia e nem dinheiro levava. Como puderam os donos?! Qualquer clínica... Tivemos de chamar a carroça. Sofri tanto. Eu já não gosto das pessoas, sabe? Já não consigo gostar das pessoas. Não se faz.
"Não se faz, não se faz", foi dizendo enquanto se afastava.
Ouço a velha ridícula na rua. Paro. Concordo. Veem-me lágrimas aos olhos. Ela e eu estamos unidas. Eu também serei uma velha ridícula que fala com os cães sem vergonha, porque é pacífico falar com cães, porque eles escutam, lambem-nos as mãos. Eu, que nunca fui bem gente, hei-de ser aquilo sem vergonha.
Logo hoje que tinha estado a fazer festas à Moreninha lembrando-me da Micas.
Acredito que quando ficamos velhos precisamos de muito carinho. Estamos frágeis e precisamos que nos mostrem que não somos tralha, que gostam de nós. Faço festas à Morena, muitas, para que perceba que a quero comigo, e para enganar o seu corpo velhote. Se a Morena estiver muito feliz, o seu corpo esquece que começa a ficar velha, e ela viverá muitos anos. É preciso enganar o corpo. Fazia o mesmo com a Micas: tratava-a nas palminhas. Mas aconteceu um acidente que eu não controlei e o corpo descobriu a verdade. Fiquei sem ela neste tempo e espaço.
Acredito que quando ficamos velhos precisamos de muito carinho. Estamos frágeis e precisamos que nos mostrem que não somos tralha, que gostam de nós. Faço festas à Morena, muitas, para que perceba que a quero comigo, e para enganar o seu corpo velhote. Se a Morena estiver muito feliz, o seu corpo esquece que começa a ficar velha, e ela viverá muitos anos. É preciso enganar o corpo. Fazia o mesmo com a Micas: tratava-a nas palminhas. Mas aconteceu um acidente que eu não controlei e o corpo descobriu a verdade. Fiquei sem ela neste tempo e espaço.
Sinto que anda por aí à minha volta. Alimento a fantasia de que o meu pai, com quem passeio em sonhos, possa tê-la recolhido do lado de lá. Era bom que assim fosse. Os dois disfrutariam a companhia mútua. Até ficava mais descansada, se tivesse a certeza que aqueles que amei estão juntos para sempre em algum lugar.