Vive-se quantas vezes?
Há umas semanas morreram uns miúdos dentro dum carro, nos EUA. Faziam piruetas com o automóvel a 190 quilómetros à hora, e até aqui nada de especial. O que me chamou a atenção foi conseguirem tuitar ao segundo o que lhes estava a acontecer, tendo escrito algo do género "só se vive uma vez", e capotado menos de um minuto depois, morrendo todos juntos, amalgamados e encarcerados, numa viatura transformada em arma acionada pelos próprios, como se tivessem decidido autofuzilar-se, conscientes do que estava acontecer. Para além deste aparente desprezo pela vida ou inconsciente desejo de morte, perturba-me ainda o último enunciado deixado no twitter. Se só se vive uma vez, segundo a minha lógica, claramente a de alguém que veio ao mundo para se perturbar com ele de todas as formas, talvez dê jeito prolongar a estadia. Se só se vive uma vez, deixa cá aproveitar, não apenas em qualidade, mas em quantidade. Se só se vive uma vez, os jovens desperdiçaram uma quantidade inumerável de experiências de adrenalina mais significativas do que fazer piruetas automóveis, a 190 à hora, aos 18 anos. Confesso que nunca andei a 190, nem tenho vontade, mas já tive os meus momentos de glória. E apesar de tudo, sinto que ainda não comecei bem a viver, que ainda estou no átrio. Se me oferecessem agora a oportunidade de viver uma experiência de enorme risco de vida, capaz de me proporcionar um prazer inultrapassável, não queria. Prefiro ir vivendo a pouco e pouco, ultrapassando, recuando, tendo frio ou calor conforme a manhã se oferece. Não me apetece morrer, embora aceite o acontecimento, em teoria. Nunca fui muito de morrer.
Não sei se a forma fria, frontal, como os jovens se expõem a experiências-limite está relacionada com inconsciência, ignorância, necessidade de liderança ou se, estando mais próximos do nada de onde vieram, o retorno se torna mais fácil. Também gostaria de perceber se os jovens de hoje estão dispostos a correr experiências de maior risco que os do meu tempo ou mesmo os de antes. No meu tempo, as drogas constituíram um risco letal muito sério. E que riscos corriam os jovens que têm hoje 65 ou 70 anos?
Estou sempre a questionar o mundo. Eu sei que nunca compreenderei. Questiono porque me perturba. A morte dos miúdos que recusaram viver, perturba-me.