A malga
Tenho na cozinha uma velha tijela de louça feita com barro vidrado, do tempo da minha avó paterna.Trata-se de uma peça velha, mesmo velha, exibindo umas modestas florzinhas estampadas, que imagino que seria de louça barata na altura. Veio da casa da minha avó paterna nos anos 80, não imagino porquê, e muito menos tenho ideia sobre como acabou na minha, mas trata-se de um objeto com muito mau aspeto, todo rachado, partido nas bordas. Normalmente uso-a como malga para onde descasco legumes ou frutas, e vai ficando. Teria vergonha de dar comida fosse a quem fosse na dita. Mantenho-a porque não sou capaz de a deitar fora, tenho respeito àquilo, sem qualquer razão lógica, mas eventualmente porque atravessou o tempo e sobreviveu a tudo. Sou muito agarrada ao valor simbólico dos objetos e das ações. Gosto dos objetos antigos. Uma garrafa, para mim, não é apenas a garrafa em si, é quem a adquiriu, quem ma ofereceu, o sítio onde foi comprada, o percurso que fez, o lugar onde a guardei. Uma garrafa ou uma malga são uma história, uma vida, expetativas, uma montanha de emoções associadas.
A malga está junto das outras apenas por ser o lugar das malgas na cozinha. Não é uma peça de museu, mas uma malga velha que não sou capaz de deitar fora, e mais nada.
O que eu gostava era de perceber porque motivo as minhas visitas, indo à cozinha pela manhã comer os cereais, enquanto ainda durmo, escolhem a velha tijela da minha avó, toda escamocada, podendo selecionar dezenas de de malgas de boa louça e design e em excelente estado. Fazem todos o mesmo, sempre, não percebo porquê. Morro de vergonha quando descubro a malga na máquina de lavar a louça.