Esperar tem uma mística qualquer
Foto: Mike Brodie
Nos dias em que há futebol na televisão sinto-me feliz, porque fico só na terra. Os outros emigraram para alhures e recolho-me à minha solidão e minudências. Que bom esquecerem-se de mim, deixarem-me só, finalmente. Tudo só meu. O silêncio das ruas, das folhas remexidas na noite crepitante. Tudo meu e eu. Tudo verdade e inteiro como se acabasse de nascer. Até o ruído dos autocarros que passam vazios me parece belo. De vez em quando o bairro grita, ouve-se um clamor e são felizes. Ocorre-me a alegre ceifeira de Pessoa, mas não os invejo. Sorrio. Eu nunca planeei nada a não ser isto: o meu canto, a paz dos meus bichos. Mesmo escrever sempre foi uma estúpida ilusão da alta. Porque haveria de aspirar a mais que um salário fixo, uma profissão certa, rotineira? Eu nunca nada! Esperei. Espero.