És lindo, Ricardão!
Querido Ricardo Araújo Pereira,
como justificação para este tratamento tão próximo devo explicar-lhe que, embora não me conheça, conheço-o eu a si muito bem. Mantenho consigo um sólido e pacífico relacionamento de muitos anos, para além de que está no top dos homens que mais prazer me deu. Escrevo em meu nome e no de cerca de cinco, seis ou sete milhões de portuguesas e portugueses, e estou certa de que ninguém me espancará no Facebook pela abrangência numérica.
Estive a vê-lo ontem em entrevista ao programa Alta Definição. Não costumo assistir, por me custar o chafurdanço na lágrima, mas pensei, "é o RAP, e dele ninguém arranca um alfinete". Não me enganei. Não sabia o que iria ver, mas amor é amor. Rapidamente descobri estar envolvida numa lição sobre como falar sobre a vida privada e o que de mais caro se guarda, conseguindo o malabarismo de selecionar apenas um naipe de situações da esfera íntima que se aceita tornar público, acabando por pouco falar sobre o sumo da vidinha e o que de mais caro nela existe. É um feito difícil e perigoso. Eu tenho tendência para abrir a boca e começar a descrever o material e o design das cuecas e do soutien, mas uma pessoa tem de aprender a defender-se. Houve uns momentos, no final, em que ia sendo apanhado, mas sentiu a terra abrindo-se sob os pés e escapou-se com o fora de jogo do "ah, estamos a entrar na fase das perguntas diretas." Boa!
Estive a vê-lo ontem em entrevista ao programa Alta Definição. Não costumo assistir, por me custar o chafurdanço na lágrima, mas pensei, "é o RAP, e dele ninguém arranca um alfinete". Não me enganei. Não sabia o que iria ver, mas amor é amor. Rapidamente descobri estar envolvida numa lição sobre como falar sobre a vida privada e o que de mais caro se guarda, conseguindo o malabarismo de selecionar apenas um naipe de situações da esfera íntima que se aceita tornar público, acabando por pouco falar sobre o sumo da vidinha e o que de mais caro nela existe. É um feito difícil e perigoso. Eu tenho tendência para abrir a boca e começar a descrever o material e o design das cuecas e do soutien, mas uma pessoa tem de aprender a defender-se. Houve uns momentos, no final, em que ia sendo apanhado, mas sentiu a terra abrindo-se sob os pés e escapou-se com o fora de jogo do "ah, estamos a entrar na fase das perguntas diretas." Boa!
O que aprendi eu? Enumero.
1. Como falar sobre as pessoas que amamos sem as magoar
Falar sobre mortos. Divagar sobre a avó falecida em mil novecentos e troca o passo evita opiniões sobre os pais, a mulher, as filhas e as tias. "E a sua mulher, como é que gosta de se vestir? " A minha mulher é complicado, mas a minha avó era roupa simples, tudo em escuro. A minha avó isto, a minha avó aquilo." E nós, não sabendo se é verídico, apreciamos a substituição, porque a história é bastante verossímil e queremos, seja qual for a sua natureza. Estamos por tudo. Por outro lado, a senhora já cá não está para desaprovar.
Sobre pessoas muito próximas e afins devemos dizer o que sabemos pensarem sobre nós e nunca o contrário. "O que sente sobre a sua mulher e filhas?" "As minhas filhas e a minha mulher dizem sobre mim x e y." Sempre assim.
2. Como referir o que gostamos ou odiamos sem ferir suscetibilidades?
Entrar na temática do futebol. Gosto do Benfas, não gosto dos outros clubes. Gosto das pessoas do Benfas que metem golos, odeio as que não os afinam. É exatamente a estratégia dos homens no meu café. Enquanto se insultam com base na performance dos jogadores e treinadores, não se magoam a sério, com base na ratice gratuita que os caracteriza. Isto é mais difícil para quem não gosta de futebol e não tem referências no departamento. No meu caso, vejo-me na contingência de declarar amar os camaradas Jerónimo e Catarina, confessando desejar encerrar Passos e Portas num submarino, a 200 metros de profundidade, escutando discursos das irmãs Mortágua no Parlamento. Mas há que ter cuidado, porque nunca se sabe quando é que Passos e Portas voltam a ter poleiro, e nesse caso podem muito bem aproveitar a ideia e voltá-la contra mim. Já tenho idade para ter juízo.
3. Como abordar os grandes temas da vida que dominam a nossa mente emitindo juízos profundos?
Falar da morte. É uma contrariedade lixada, bem pior que a bicha da ponte quando temos de apanhar o Alfa Pendular ou um pneu rebentado numa estrada regional no Alentejo muito deserta, sendo que uma pessoa nem manusear o macaco sabe. E está sempre a acontecer, inesperadamente, não nos deixando acabar o que estamos entretidos a fazer, e terminando definitiva e radicalmente com a ação quando o romance ainda vai a meio.
A partir de agora quem é que me vai apanhar a falar sobre o colonialismo ou andarmos a ser maltratados verbalmente por outros meninos?! Ninguém. Vou debruçar-me sobre a morte. Também sou contra e quero dizer coisas profundas e intensas com um ar sério.
E por hoje é tudo, Ricardão. Agradeço-lhe a leitura desta carta, sabendo antecipadamente que não terei resposta, o que não me dissuade, porque já estou habituada a falar para o boneco nas aulas sobre Os Lusíadas, o Padre António Vieira, e restantes temas do programa de Português do 3º ciclo e ensino secundário. Muito obrigada pela lição. Prometo que não esquecerei. Aceite um repenicado beijo em cada bochecha desta sua dedicada namorada e discípula.
Isabela