Antiga
Copyright Violet Kashi |
O meu corpo acorda cada vez mais cedo, em desabono da minha necessidade de
morrer muito todos os dias. Assim que me torno consciente, percebo os ruídos
nas casa adjacentes, no prédio, na rua, sinto o meu corpo excessivamente quente
sob os cobertores antigos dos quais se riu o alcoólico anónimo que veio arranjar-me
o parquet, comentando "que coisas tão engraçadas você aqui tem em cima da
cama!" Rindo-se numa troça comedida. Senti-me embaraçada por ser já tão
antiga, do tempo dos sabonetes e dos cobertores que teimo em usar. Não
tenho disponibilidade para me adaptar a tanto progresso, tanta modernidade. As
lojas dos centros comerciais podem encher-se de edredons sofisticadíssimos, de
géis de banho especiais e de roupas inteligentes, porque continuo a querer apenas
os cobertores do enxoval, as cuecas, calças e camisolas tal como sempre as
usei e o sabonetes com que sempre me lavei. Não preciso de um automóvel que se desliga
quando tiro o pé da embraiagem. Prefiro deixá-los ir abaixo devido a erro
humano. Não quero que os sensores incorporados acionem automaticamente os limpa
para brisas nem os faróis. O sensor sou eu. As máquinas não pensam por mim. Aqui
quem manda sou eu. Sempre.